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MUITA 'ALMA' NESSA HORA, por Lúcia Torres

Atualizado: 27 de abr. de 2020

"Costumo ser uma pessoa que observa bastante e fala pouco quando não estou em minhas atividades docentes. Entretanto, me preocupa esta insistência por parte de alguns em continuar lidando com esta realidade em mutação que nos é apresentada, como se “nada estivesse acontecendo”...


Parece aquelas propagandas de absorventes tradicionais que inundam os meios de comunicação até hoje: “siga a sua vida 'normal', pois você (mulher) precisa parecer estar igual 'nestes dias'...”


Mas, diferentemente do ciclo feminino menstrual, que, mesmo sendo completamente estranho para muitas mulheres, já está razoavelmente mensurado (sob o ponto de vista biológico), este momento planetário que vivemos não está, pois nos traz situações imprevisíveis e não mapeáveis.


Nos exige abertura e confiança internas para conviver com o vazio e a escuridão do desconhecido. Sim, nós, a raça humana, somos bastante contraditórios e paradoxais. Conseguimos nos surpreender e surpreender aos outros. Para o pior e para o melhor.

Sim, é difícil suportar o vazio. E reconhecer que, ali, há uma fertilidade oculta.

Então, se trata de viver este isolamento de uma maneira mais feminina, mais subjetiva, mais silenciosa, mais introspectiva... Dimensões que temos negado, dissociado, alijado do nosso cotidiano e do nosso paradigma.

Diariamente, somos inundados de sugestões de “como ocupar o nosso tempo de forma produtiva”. Vamos continuar olhando para fora? No contrafluxo, surgem posts e vídeos de pessoas que se confessam “ansiosas” e “depressivas” e que não querem, ou não conseguem, ou não podem, ser produtivas numa hora destas; e que sofrem por isto também. Corajosamente se mostram vulneráveis.


Para quem que debruça nos símbolos, não é novidade os espectros sombrios que esta conjunção de Júpiter/Saturno/Plutão (ainda mais no signo de Capricórnio) pode trazer ao coletivo: Cobrança, restrição, coerção, aniquilamento, implacabilidade, frieza, distanciamento emociona, entre outros. Mas, nesta dimensão humana em que vivemos, os opostos se entrelaçam de forma indissolúvel: o que esta conjunção planetária também nos sugere e para qual horizonte não estamos olhando. Eis a questão.

Parece-me que o convite está sendo enxergar, compassivamente, o que se esconde nas entrelinhas: A vida está nos propondo diminuir o ritmo, conviver conosco mesmos, silenciar, repensar estruturas e valores essenciais, encontrar um equilíbrio entre o fazer e o não fazer. A primavera parece não ter chegado no hemisfério norte. O inverno parece ter se antecipado no hemisfério sul. A partir da falta, reconhecer o valor da Presença. Kronos e Kairos.

Agradecemos todas as sugestões de ocupar o vazio. Acolhemos todas as manifestações de impotência e de revolta. Faremos a nossa parte dentro do coletivo a que pertencemos (dentro do que nos cabe e dos nossos limites).

E continuaremos a silenciar, a contemplar, a acolher, a escutar primeiro; antes de agir.

Para mim, o convite do momento é trazer de volta esta dimensão feminina (luminosa e exilada) e continuar gestando “uma outra forma de ser e estar no mundo” (expressão que cunhei e que me acompanha há muitos anos). Simplesmente para que nada disto que se apresentou (e continua se apresentando) diante dos meus olhos perplexos tenha sido em vão."

​Lúcia Torres, Porto Alegre 3 de abril de 2020


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